A velha questão do curso superior
by Zeh on April 29, 2009
Ainda no assunto Edted, durante a realização da mesa-redonda final alguém fez uma pergunta (via Twitter acho) querendo saber se eu achava que faculdade era uma coisa importante na formação de uma pessoa.
Na ocasião eu acabei respondendo com um breve “sim”, em parte porque não queria tomar muito o tempo da mesa, e em parte porque é uma discussão tão grande que não caberia direito no breve tempo de discussão que a gente tinha disponível de qualquer forma.
Aparentemente essa foi a resposta certa, porque o pessoal que estava assistindo até curtiu: os outros palestrantes deram risada, e teve um início de palmas na audiência. Mas, pra ser sincero, acho que a brevidade da resposta fez com que ela soasse meio seca (pra não dizer cretina); então, pra complementá-la, e até porque esse é um assunto muito pessoal, aqui vai um pouco do que acho sobre o tema. Eu até já tinha falado um pouco disso nos comentários deste artigo escrito pelo Bruno Ribeiro, mas escrevo aqui de forma mais extensa. Aviso: verborragia master, como sempre.
Eu sempre fui um cara meio contra faculdade e cursos em geral. Pra explicar: eu comecei a trabalhar efetivamente com desenvolvimento de sistemas (e suas interfaces) em 1994, quanto eu tinha 16 anos, e desde então nunca parei de trabalhar. Sempre aprendi fazendo e indo atrás, isso numa época pré-Google e até pré-Internet. Comecei a programar aos 10 anos, e talvez por isso sempre fui muito defensor de um esquema autodidata de aprendizado.
Depois que terminei o segundo grau, resolvi, por diversos motivos, dar um tempo nos estudos. Eu até cheguei a fazer faculdade em 97 e 98 (Propaganda e Marketing), mas acabei abandonando por falta de grana pra continuar e tempo pra estudar – tive de escolher entre trabalhar e ter dinheiro pra sobreviver, ou viver de vento e estudar sabe-se lá como.
Nesse período em que fiquei exclusivamente trabalhando, tive algumas experiências que me levaram a detestar ainda mais essa idéia de levar certificações ou diplomas ao pé da letra. Duas eu posso citar em especial.
A primeira é que eu trabalhava num lugar onde tinha uma pessoa que possuía um grande certificado de um software bastante usado na época (Aldus/Adobe Page Maker), e deixava o certificado pendurado logo acima do computador. Isso basicamente atestava que a pessoa sabia o que estava fazendo e era um profissional de destaque na área. Essa pessoa ganhava um pouco mais do que o dobro do que eu ganhava. O detalhe é que quando tinha algum problema muito cabuloso para resolver no Page Maker, essa pessoa me chamava, já que eu era o faz-tudo do lugar na época – e incluía-se aí mexer com o Page Maker, coisa que nem era minha especialização.
Nada contra essa pessoa, que era super gente boa. Mas a experiência me deixou com uma opinião amarga sobre certificações.
A segunda é mais contundente. Na primeira agência de Internet em que comecei a trabalhar, era costume criar propostas de projetos para clientes em potencial, e apresentações que acompanhavam essas propostas. Aquelas típicas apresentações cretinas e pomposas que falavam sobre a agência. Enfim, um dia estávamos desenvolvendo umas três propostas pra serem apresentadas pra um grande cliente. A secretária estava montando um slideshow com informações sobre as propostas – uma das quais eu que estava desenvolvendo – e tivemos um papo mais ou menos assim:
Secretária: Então, Zeh, estou montando a apresentação pro <Grande cliente X>, e estou colocando as fichas da agência. No que você é formado?
Zeh: Não sou formado.
Secretária: (Boquiaberta) Não é formado?! Não fez faculdade?
Zeh: Não.
Secretária: Mas você não fez nenhum curso?
Zeh: Só me formei no segundo grau, em Processamento de Dados.
Secretária: Ahn… tudo bem.
Aí ela foi e fez a apresentação… sem meu nome. Não importa que o conceito, design, e programação da proposta eram meus: se eu não tinha nenhuma graduação interessante pra citar, eu não importava, valia mais a pena colocar o bio de um dos sócios da agência. Não era culpa da secretária, diga-se de passagem, já que ela também era gente fina; era uma coisa normal da agência.
Essa mesma agência era aquela típica empresa anos 90, que considerava melhor alguém que tivesse um curso de graduação, fosse ele qual fosse. Você podia ser graduado em veterinária, que pronto, era automaticamente um melhor designer. Eles até queriam meu conhecimento, já que profissionais de Internet não eram tão comuns na época. Mas eu era meio que um patinho feio.
E na real, nem sei se apresentação toda foi pro cliente mesmo. Essa idéia de propostas era um mundinho de faz-de-conta às vezes.
Por conta dessas e de outras, criei uma certa mágoa de todo essa idéia de formação. O fato de que conheci ótimos profissionais sem formação alguma, bem como péssimos profissionais formados – típico do começo da Internet no Brasil, acho – não ajudou a imagem do mundo acadêmico.
Não quer dizer que eu detestasse cursos. Cheguei a fazer 3 anos de Panamericana exatamente porque achei que tava perdendo um pouco do contato com o mundo do design, e porque queria respirar um pouco mais da coisa. Não que seja uma super escola, e obviamente não tem nada a ver com formação acadêmica, mas é um curso, e aprendi algumas coisas lá sim.
Mas minha opinião geral sobre faculdades e formação só começou a mudar lá pros idos de 2000, quando visitei o Senac pela primeira vez, por convite/dica da Lu Terceiro. Foi num evento com palestras de diversos monstros do (então) webdesign mundial, em especial a Designers Republic (!). Fiquei impressionado com duas coisas: primeiro, a iniciativa de uma faculdade de trazer designers desse porte pra um evento local; e segundo, a grade do curso de Design Gráfico que existia até então no Senac, distribuída como parte do material promocional do evento. Três semestres de tipografia? Eu não sabia que existia nenhum curso desse tipo em São Paulo – eu precisava fazer aquela faculdade.
Só havia um problema: o curso do Senac era à tarde. Eu escrevi um email pro então coordenador do curso perguntando sobre a possibilidade de cursos à noite no futuro, e ele foi bastante otimista, dizendo que existia a idéia e que isso deveria rolar no futuro.
Nessa época, eu estava terminando a Panamericana (na verdade, num hiato de 2 anos sem estudar que tive entre o segundo e o terceiro ano do curso). Decidi terminar a Panamericana e aguardar novidades do Senac.
Foi o que eu fiz. Após terminar a Panamericana, Fiquei juntando grana por 2 anos, e então, em 2004, veio a novidade de que o curso de Design do Senac iria se desmembrar, e novas especializações seriam criadas: Design Industrial, e Design de Interfaces. Apesar de meu desejo ser mais de focar no design gráfico – que continuaria existindo à tarde – decidi que o Design de Interfaces se encaixaria bem nos meus planos e decidi tentar.
Todo mundo da área que eu conhecia achou a decisão meio doida. Todo mundo apoiou, mas ainda assim achou esquisito, porque naquela área, com já uma década de experiência, eu “não precisaria” desse tipo de formação. E por um lado eles estavam certos, era uma coisa meio doideira, e eu ia gastar uma bela grana e um bom tempo com isso. Mas ainda assim, era uma coisa que me deixava feliz, porque eu finalmente tinha a grana (e, de certo modo, o tempo) pra fazer a faculdade, então era uma boa oportunidade pra me livrar de algo que tinha virado meio que uma pedra imaginária no sapato cerebral pra mim. Como quando eu finalmente terminei Double Dragon (só uns 10 anos depois de ter jogado pela primeira vez, com raiva, usando um emulador e save states).
Ainda assim, nunca fui fazer faculdade de modo muito otimista. Eu queria três coisas, basicamente: 1. Um papel chamado “diploma”, pra poder usar pra todos os fins cabíveis, ainda que cretinos; 2. Saber mais sobre o mundo acadêmico, a fim de poder falar mal com algum ganho de causa; e 3. Aprender um pouquinho, quem sabe, talvez, sobre design.
Enfim, em 2005, com 26 anos, comecei o curso de Bacharel em Design de Interfaces no Senac São Paulo. Me formei em dezembro de 2008, com 31 anos.
Pra resumir a história – até porque já escrevi coisa pra caralho sobre isso aqui (em inglês) – minhas expectativas ao fazer a faculdade foram superadas. Talvez eu fosse cínico demais – não gosto de confiar em pessoas, empresas ou serviços – mas entrei lá sem esperar muita coisa e saí com mais do que pensava. Fazer um curso onde te forçam a pensar de modo diferente, e a ter contato com tecnologias, mídias, plataformas e problemas que você não encontraria no dia-a-dia do trabalho real é extremamente gratificante. Não que o Senac seja a faculdade perfeita – ele com certeza tem seus defeitos, e eu era da primeira turma do curso – mas eu acredito que fez bem o que se prestou a fazer.
Mesmo ter o contato com as pessoas – meus colegas eram, em média, 10 anos mais novos do que eu – foi algo que me fez aprender muito. Não é à toa que faço questão de ter links pra blogs de todos meus colegas que os têm aí do lado da página. Pra mim foi um ótimo período; extremamente difícil – já que tive de abrir mão de diversas coisas – mas ainda assim, muito recompensador.
O engraçado é que eu provavelmente consegui aproveitar o curso muito mais exatamente por ser mais velho. Tenho certeza de que ter um repertório adicional me fez captar algumas aulas de uma forma muito melhor e absorver muito mais do curso do que a maioria dos outros alunos. Não que eu tenha alguma diferença intelectual – pelo contrário, eu acredito que a grande maioria dos meus colegas está num nível muito superior do que o que eu tinha quando tinha a idade deles (voz de velho caquético) – mas porque minha experiência que fez com que o discurso dos professores tivesse uma digestão muito mais fácil.
Ou seja, quem estiver pensando em começar faculdade mais tarde, eu recomendo. Vale a pena.
Tenho certeza de que saí da faculdade uma pessoa melhor, e um profissional melhor. Não que minha opinião tenha sido completamente mudada – ainda acredito que é possível, sim, ser um profissional de destaque sem um curso superior. Acredito, sim, que muita gente com um curso superior continua sendo um zero à esquerda simplesmente porque não aproveitou o período acadêmico do jeito que poderia. Sou, sim, contra a tal “regulamentação” e exigência de diploma nas empresas desta área; acho uma puta coisa retrógrada. Mas agora também acredito que, pra quem realmente quer, faculdade pode ser um grande salto pessoal, intelectual e profissional.
Faculdade vale a pena.
E minha colação de grau é semana que vem.
Falar é fácil, difícil é dizer
by Zeh on April 25, 2009
Acabei de voltar do 14º EDTED, onde dei uma palestra prum público de umas 400 pessoas (chute aproximação heurística), basicamente sobre meu trampo de Flash e porque eu acho que sites em Flash não são a cria do demônio. Era mais ou menos a mesma apresentação que fiz no EWD do Rio de Janeiro mês passado, embora melhorada – com algumas imagens adicionais, e utilizando os sites ao vivo ao invés de só mostrar screenshots.
Não que eu costume palestrar demais (geralmente evito), mas sempre que estou pra fazer apresentações pra um público superior a 10 pessoas, quem não me conhece faz as perguntas óbvias, tipo, “tá tudo certo? cê tá nervoso?”.
Eu tenho várias fobias/bloqueios/vergonhas na vida, algumas razoavelmente bizarras. Felizmente, falar em público não é uma delas. Ao contrário, eu acho muito louco.

Slide mostrando o website "Absolut Ruby Red", por Gringo Interactive
(foto por Henrique Locatelli)
O que não quer dizer que eu faça a coisa muito bem. Eu falo rápido demais – não porque eu esteja nervoso, mas porque realmente falo rápido demais – e às vezes esqueço de me controlar pro pessoal poder acompanhar e pra eu não me enrolar muito. Eu também tenho problemas pra olhar nos olhos dos espectadores – não gosto de ficar secando ninguém – então geralmente fico olhando pro chão ou pro além. Mas, no geral, pelo fato de não ficar nervoso e conseguir falar o que planejei antes, acho que conduzo apresentações de forma razoável.
No entanto, o legal de ir em eventos como o de hoje é que dá pra medir legal como está sua habilidade em criar uma apresentação decente e mostrá-la pro público. Você vê como os outros palestrantes de comportaram com um conteúdo voltado pra uma mesma audiência, então tem alguns parâmetros de comparação que podem ser usados.
O foda é que sempre que faço isso fico meio com vergonha da minha palestra, achando ela a coisa mais banal e óbvia do mundo, e me sentindo meio lixo. Isso porque neguinho vem e faz um questionamento super pertinente e aí eu penso “caralho, cadê o questionamento na minha palestra, tá conformista demais”. Aí fulano vem e faz uma apresentação impecável e eu penso “cacete, titubeei na hora de falar tal frase, já esse cara não titubeia nunca”. Dá pra ver o que te falta ainda pra melhorar.
O evento de hoje não foi diferente.
Duas das palestras – a do Gil Gardelli e a do Roberto Cassano – eu já sabia o que esperar, afinal, já havia assistido às duas no evento do Rio de Janeiro. No entanto, ambas – a primeira, uma metralhada de questionamentos que eu continuo achando muito pertinentes, e a segunda, um resumo de uma experiência singular com mídias sociais online – são duas das que me fizeram sentir um pouco diminuído. Não que eu não tenha fé e não goste de meu trabalho, muito pelo contrário; mas ambas são apresentações que levavam a crer que talvez minha mensagem não se encaixasse tanto ali no meio.
Mas hoje, em especial, o que me fez sentir que tem algo mais além foi assistir à palestra do Luli Radfahrer. De conteúdo, sua palestra foi um misto de experiência, questionamento e divagações; difícil definir, já que foram pulos entre tópicos diferentes de forma muito rápida. Onde a palestra realmente funcionou, no entanto, foi no formato – vídeo/slideshow sincronizado com uma fala meticulosamente trabalhada – e na retórica aguçada do palestrante.
Só pra constar, não acho que sou nenhum ignorante em relação a palestras e apresentações. Já assisti vídeos de muitas apresentações do TED, Pecha Kucha e afins. E não é que a palestra tenha sido uma coisa de outro mundo, com fogos de artifício e coisa e tal. Foi, sim, uma apresentação muito bem feita, sem desvios de atenção. Mas acho que o que fez a diferença pra mim – comparando com vídeos que já vi do TED – foi assistir a palestra ao vivo. Tem quase uma energia que rola que faz com que você perceba que a apresentação não está sendo só uma palestrinha normal. Não devido a algum segredo técnico empregado na sua realização, mas por um resultado final impecável.
Deu pra perceber que tenho que comer muito PowerPoint Impress ainda.
Hoje eu comi um Bauru de verdade
by Zeh on April 23, 2009
No artigo anterior sobre trabalhar em casa eu disse que comer fora, num lugar legal, acabava perdendo o sentido quando você trabalha sozinho.
Bom, é verdade, quando você trabalha em casa não tem mais aquela coisa divertida de ir comer na churrascaria toda última sexta-feira do mês, ou fazer um almoço mais longo só pra comer num lugar legal específico, ou num lugar mais caro só porque é dia do pagamento. Não faz tanto sentido se você vai sozinho e não tem com quem compartilhar aquele momento gastronômico solene ou o almoço de 3 horas reservado especialmente pra estragação financiada pelo chefe.
Mas acho que menti um pouquinho. Pelo menos no meu caso, mesmo trabalhando em casa, acabei sim criando alguns costumes gastronômicos vagamente relacionados ao trabalho. Basicamente, após cada trabalho que faço que vai pro ar, tomo um gole da Vodka Absolut de baunilha que ganhei da Gringo há um tempão atrás (valeu!); e sempre que efetivamente recebo um pagamento, vou comer num lugar legal pra comemorar. Nada super chique, só um lugar que eu goste, talvez meio fora de mão, talvez um lugar que não visito há muito tempo, etc. Não é nada tão bom quanto trabalhar num escritório – onde é mais fácil você ir comer num lugar diferente a cada dia – mas é alguma coisa.
No final do mês passado recebi um pagamento por um trabalho que fiz mas, devido à correria de outro trabalho que estava terminando, nem pude ir no banco transferir a grana pra minha conta (como recebo de fora do país, sempre tenho de ir no banco fazer o pedido de transferência do câmbio). Finalmente fui lá hoje, com o dólar num lindo palíndromo (2.22000222), e saindo do banco, decidi dar início a mais uma instância deste importante ritual alimentício. Como meu banco é perto da Praça da República, resolvi dar uma volta no beco da memória e ir comer no Ponto Chic, que fica no Largo do Paissandú (atrás da Galeria do Rock, perto da Praça do Correio).
Pra quem não conhece, o Ponto Chic é um bar/restaurante/lanchonete super antigo de São Paulo (com várias filiais pela cidade, mas este do centro é o original). Fundado em 1922, é um lugarzinho meio cult embora não seja, assim, nada de mais visualmente. É também onde foi inventado o Bauru.
A principal razão de eu ter ido lá é porque este é um lugar que costumava ir bastante com meus pais quando eu era mais novo (no final da década de 80), em nossas inúmeras andanças pelo centro, então tenho boas memórias do ponto. E também gosto bastante do Bauru que eles fazem. Costumo ir lá esporadicamente, mas já faziam uns 4 anos que eu não visitava o lugar.
Sempre que vou lá, é um momento meio agridoce: legal repetir o mesmo ato que realizei décadas atrás, mas meio chato ver como o lugar mudou. Aquela coisa meio nostálgico-bobalhão.
Entrando no restaurante hoje, já tive um choque: razoavelmente lotado, todo mundo comendo… comida. Comida normal. Tipo grelhado e tal. Pô, pra mim o lugar é lanchonete, gostava de ir lá e comer Bauru e Banana-split. Mas, pelo menos naquele horário – deviam ser umas 2 ou 3 da tarde – o lugar era um restaurante normal.
O que é meio triste é pensar que, até pela localização, o lugar tem de se adaptar. Não é um lugar da moda: é no meio do centrão. Não é mais ponto de encontro de intelectuais nem nada do tipo. Imagino que não tenha muita coisa do lado que justifique uma clientela assídua, nem muitos atrativos especiais pro lugar, até porque já tem choperias mais badaladas por perto. Então não dá pro lugar sobreviver só na base da memória. Até o nome hoje soa meio esquisito, quase um eufemismo. Então acho que ninguém devia estar lá pelo que o lugar oferece de diferente, mas sim por ser mais um lugar normal pra comer.
Cheguei, sentei. O garçom que veio me atender era um cara um pouco mais de idade, e provavelmente um veterano do restaurante. Recusei o cardápio, e, resoluto, pedi um Bauru logo de cara.
Posso estar errado, mas acho que percebi um brilho em seus olhos.
Enquanto isso, na cidade de Townsville, acabou a tinta da impressora
by Zeh on April 19, 2009
Eu sou uma merda pra escrever. Principalmente pra escrever emails. Não que eu escreva tão mal assim, mas é que eu escrevo demais.
Quando eu era mais novo, a única matéria que eu realmente gostava na escola – e a única matéria onde eu me dava bem – era Redação. Eu adorava escrever redações. A professora chegava pra sala e dizia que tínhamos de entregar uma redação com 35 linhas pro dia seguinte, e a sala inteira gemia, resignada. No dia seguinte, a maioria da sala entregava uma redação com exatas 35 linhas. Eu entregava uma de 100 ou algo próximo disso; lembro que meu máximo foi umas 150 linhas. Duas professoras diferentes chegaram a pedir à minha mãe, em reuniões de pais e mestres, pra ela parar de me ajudar nas redações. Elas achavam que minha mãe que escrevia as redações. O detalhe é que minha mãe nem sabia quando eu escrevia redações – ela não tinha nada a ver com a história. Elas não deviam ser os melhores textos do mundo, imagino, mas eram longas. Enfim, sempre gostei de escrever.
O problema piorou na época que comecei a acessar BBSs e mandar mensagens que iam levar quase uma semana pra chegar ao destinatário. Por algum motivo, foi quando comecei a escrever melhor, mas também quando peguei o costume de escrever mais no computador.
Mas a questão é que escrever muito não é um negócio muito bom. Ninguém gosta de textos longos. Todo mundo tem preguiça de ler, e ninguém quer receber um email verborrágico que descreve algo nos mínimos detalhes. Quando acabo mandando emails assim, é comum as pessoas simplesmente pularem parte do texto. A pessoa responde e percebo que ela passou batido pela parte mais importante da mensagem. Aí eu tenho de responder com frases que começam com “como falei no email anterior, …”. Sabe aquela teoria de que a gente só lê o começo dos parágrafos em textos na Internet? Então. É verdade.
Mas quem me fez perceber mesmo a minha falta de habilidade em ser sucinto foi o Macaco Louco.

Macaco Louco (ou Mojo Jojo, no original em inglês) é um personagem do desenho animado Meninas Superpoderosas, do Cartoon Network. Principal antagonista da série, ele é um macaco cientista super inteligente cujos planos de dominação mundial (ou municipal) são sempre frustrados pelas três heroínas que dão nome ao desenho. E ele tem uma característica interessante: linhas de diálogo extremamente redundantes, onde ele repete diversas vezes a mesma informação, de formas ligeiramente diferentes. Suas frases são algo do tipo “Vou dominar o mundo, meninas, porque após derrotá-las, o mundo será dominado por mim, Macaco Louco, porque terei acabado de derrotá-las.”
Infelizmente não achei nenhum vídeo legal com a dublagem em português (que acho sensacional), mas o vídeo abaixo, no áudio original, dá uma idéia do ethos do personagem.
Uma coisa que comecei a reparar depois de ter entrado em contato com essa entidade é que realmente às vezes repito a mesma informação de formas ligeiramente diferentes. Digo que A é B porque B é A na esperança de que isso ajude o entendimento. Poder de síntese nulo.
É meio bizarro falar isso, mas foi só aí que comecei a mudar um pouco meu modo de escrever. Não quer dizer que eu realmente escreva melhor. Mas agora, pelo menos, acabo revisando meus textos depois de tê-los escritos pra ver o que dá pra ser enxugado. A faculdade ajudou bastante com isso também; textos enxugados geralmente são muito melhores pra serem lidos, e quando você fica um ano em cima do mesmo texto, tem tempo de sobra pra polir o que tá em excesso.
Nem sempre funciona. Escrevendo em fóruns, é comum eu perder um tempão descrevendo algo nos mínimos detalhes, mesmo quando acho que não tem nenhuma repetição de informações, e aí alguém vem e em 6 palavras diz tudo o que eu estava tentando dizer, mas de uma forma muito mais curta (e agradável).
Ou, pior, gastar um tempo escrevendo um texto imenso e aí chegar no final e ter a certeza de que ninguém vai ter tido a paciência de ler tudo que escrevi, já que a informação era tão inútil que poderia ter sido escrita num só parágrafo.
Trabalhar em casa é foda
by Zeh on April 19, 2009
Eu trabalho em casa, sozinho, há quatro anos. Sou um freelancer remoto, apesar de trabalhar exclusivamente pra uma mesma empresa.
Quase sempre que converso com alguém que trabalha fixo, dentro de uma empresa, o pessoal diz que adoraria trabalhar em casa. Muita gente vê trabalhar em casa como um sonho.
A coisa não é bem assim, no entanto. Eu mesmo só comecei a trabalhar em casa porque precisava de um horário e uma agenda mais flexíveis, que me permitissem balancear trabalho e faculdade de um modo razoavelmente são. O melhor que posso dizer sobre a experiência é que a coisa pode funcionar, mas que não vejo a hora de voltar a trabalhar dentro de um escritório (coisa que deve acontecer em breve). Então, aqui vai um emaranhado de pensamentos aleatórios e desorganizados sobre o assunto.
Não há separação entre trabalho e descanso. Se seu local de trabalho é o mesmo que seu local de relaxamento, você está em permanente modo de trabalho (a menos que seja realmente preguiçoso, aí é o contrário). Pode parecer esquisito, mas sair de um lugar (escritório) e ir pra outro (sua casa, seu quarto, etc) faz com que você rapidamente mude uma chave em sua mente, saindo do modo trabalho e entrando no modo foda-se. Você chega em casa e esquece as tretas do trampo (mesmo que seja pra se preocupar com as tretas da casa). Se você tá trabalhando em casa, é o contrário; toda hora vejo meus post-its com pendências de trabalho no meu monitor, por exemplo. A mente nunca se desliga do trampo. Quando preciso relaxar, tenho de sair de casa.
Você precisa de muito auto-controle. Sabendo que não tem ninguém pra checar se você está efetivamente trabalhando (ou se está ao invés escrevendo no Twitter, conversando no MSN, lendo email, jogando algo, assistindo vídeo de gatos engraçadinhos, escrevendo posts idiotas num blog que ninguém vai ler, ou coisa assim), é muito fácil perder o foco e ir fazer algo completamente inútil, perdendo horas de trabalho. Sem um auto-controle absurdo, é batata você desviar a atenção e só perceber as horas que perdeu quando já está com tudo atrasado.
Você vai efetivamente trabalhar a todo momento. Trabalho freelance é foda. Neguinho quer a coisa pra amanhã, e não importa a hora em que você vai trabalhar. Isso quer dizer que você não pode dizer “opa, são 7 horas, vou pra casa porque tenho de dar comida pro gato/cortar a grama/colocar o lixo na rua/baixar LOST”. Não, você fica sob constante pressão pra terminar algo. Quando realizo trabalhos freelance, é comum ficar dias ou até semanas sem trabalhar, no período entre trabalhos, mas quando ele chega, é labuta dia após dia, sem parar. Amanhã é um feriado, e eu trabalho. Sexta retrasada foi feriado, e eu trabalhei. Ambos finais-de-semana idem.
O trabalho é mais difícil. Se ambos os lados – você, e a empresa que te contratou – forem extremamente organizados, o trabalho até pode render. Mas ele nunca vai render tanto quanto ele poderia se você estivesse dentro da agência. Existem diversos problemas de comunicação que podem ocorrer, e às vezes, alguma besteira no qual você perderia poucos segundos se estivesse todo mundo debaixo do mesmo teto – tipo ir perguntar pra um colega uma bobeira rápida sobre uma tarefa – acabam se tomando um tempo muito maior pra serem realizadas através de email ou instant messengers. É uma camada de burocracia técnica que, embora pequena, atrapalha bastante.
A rotina cansa muito mais rápido. Tudo é muito mais chato quando você faz algo sozinho. Você quer ir comer, vai sempre no mesmo lugar, comer a mesma comida, porque já perdeu a paciência. Não tem aquela desculpa de ir comer no lugar X, que é mais longe, e demora mais pra chegar, só pra fazer algo diferente. Quem gosta de ir comer num lugar super legal, mas fazê-lo sozinho, sem ter ninguém pra conversar? Acaba perdendo o sentido. E talvez seja uma coisa pessoal, mas realmente sinto falta de comer algo diferente todo dia.
Você perde a atenção muito facilmente. Se você mora, e trabalha, sozinho, e num lugar calmo, ótimo. Senão, é foda. Novamente, talvez isso seja algo pessoal, mas qualquer coisa não relacionada a trabalho me desconcentra de uma forma descomunal. Um telefone tocando quando alguém quer vender filtro de água Europa, ou a campainha tocando porque alguém quer pedir uma contribuição pra alguma causa nobre de origem incerta, são motivos suficientes pra arruinar minha mente por uma meia hora. E embora ninguém trabalhe dentro de bolhas num escritório, no local de trabalho desvios de atenção são geralmente tratados de forma muito mais objetiva e pragmática – ninguém vai te interromper pra te oferecer cartão de crédito do banco Santander ou combo NET e ficar insistindo quando você disser que não.
Você vira um ser da caverna. Quando você trabalha em casa, não é obrigado a sair, logo, acaba não saindo quase nunca. É comum eu passar dias seguidos sem botar o pé na rua, a ponto de começar a ter dores musculares de tanto que não me movimento. Trabalhar em casa é um tapete vermelho pro sedentarismo. Lógico, é legal não ter de gastar tempo com transporte público ou dirigindo até o trabalho – mas pessoalmente, mesmo isso acho algo um pouco negativo, já que acabo abrindo mão de meu período de leitura forçada – vulgo metrô e ônibus. Se no dia-a-dia é mais fácil você se forçar a se mexer – fazendo um caminho diferente pro trabalho, por exemplo, de modo que ando mais – quando você trabalha num escritório, quando você trabalha em casa é muito pior. Tenho épocas em que me exercito em casa, ando bastante, corro, ando de bicicleta, etc, mas no auge do trabalho exaustivo, é fácil esquecer esse tipo de coisa quando você já tá mentalmente exausto e não tem a obrigação de fazê-lo.
Se você tiver qualquer problema que te impede de trabalhar ou se comunicar, está num mato sem cachorro. Você só depende de você mesmo, e isso pode ser bom ou ruim. Quase sempre a segunda opção. Tenho inúmeros exemplos pra citar.
Uma: certa vez, estava terminando um trabalho, quando fritou a fonte do meu micro devido a um pico de energia que deu em casa. Fui correndo com o computador na assistência, trocar a fonte. Cheguei em casa, percebi que o micro ainda estava ruim, travando do nada. Testei a memória e vi que um dos chips estava queimado. Tive de retirar o chip e ficar trabalhando com metade da memória (1gb) até poder terminar o trabalho e comprar mais memória com calma. Gastei dinheiro e tempo.
Outra: estava terminando um trabalho que deveria ser entregue 2 horas após. Eis que começa uma chuva descomunal, cai a força no meu bairro inteiro, e ela não volta simplesmente porque a chuva foi tão forte que derrubou árvores e galhos nas ruas – incluindo nos fios elétricos. Nem falar com o pessoal do trampo eu conseguia, porque o bairro inteiro (inclusive 2 lanhouses) estavam sem energia. Eles tiveram de me ligar no telefone pra entender o que tava rolando. Tudo bem, eles aceitaram uma versão do trabalho que tinha mandado horas antes, mas é uma queima de filme. Fora o stress que passei, já que em determinado momento estava quase subindo pelas paredes sem saber o que fazer. Quando eles me ligaram, estava pra pegar o carro pra atravessar a cidade só pra achar uma lanhouse funcionando de onde eu pudesse mandar um email pra avisar o que tinha rolado. A luz só voltou horas depois, de madrugada.
Mais outra: estava eu trabalhando tarde da noite quando cai a energia durante 1 segundo. Nada demais. Religo tudo, e eis que minha conexão não funciona mais: o modem havia queimado. Saio eu como doido, à noite, procurando um lugar que venda modem ADSL compatível, porque senão não tenho como mandar meus trabalhos pro trampo no dia seguinte. Achei um na Kalunga. Gastei dinheiro e tempo.
E outra, mais recente: estava pra terminar um trabalho quando meu micro reseta. Ligo de novo, reseta de novo. Ligo de novo, nem liga mais. Era tarde da noite, decido ir dormir (contendo o desespero). No dia seguinte, o micro funciona umas horas, depois começa de novo a se recusar a ligar. Aí o desespero bate. Graças à minha capacidade descomunal de entender o que os diferentes beeps durante o boot de um computador querem dizer, tive um palpite de que a placa de vídeo é que tinha ido pro saco. Fui correndo numa loja de shopping mesmo, comprei a placa de vídeo compatível mais barata que tinha, religuei tudo e, graças aos céus, funcionou. Aí vou eu terminar mais um trabalho com uma placa que não era 1/4 da minha placa anterior. Gastei mais dinheiro e mais tempo. E muito stress. E ainda assim, tive de dar graças aos céus de não ser nada mais sério – não pelo custo, mas pelo tempo que gastaria pra trocar o micro inteiro.
Percebeu o padrão? Os problemas sempre acontecem quando você menos espera (no meu caso, sempre no pior momento do job), e quando acontecem, cabe somente a você saná-los, da forma mais rápida possível. Você fica muito dependente de seu hardware. Imagina a empresa pra qual eu trabalho perguntando a quantas anda o job urgente, e eu respondendo “então chefe, tá parado porque o micro foi pro saco”. Pra mim, soa como desculpa esfarrapada. E isso já aconteceu diversas vezes com a Firstborn – eles devem achar que sou o cara mais azarado do mundo, ou o cara mais enganador do mundo. Até evito falar pra eles quando tem alguma treta.
Neste momento mesmo, meu computador está mais pra lá do que pra cá – há uns dias atrás um dissipador se rompeu da placa-mãe e pode provocar superaquecimento do computador – mas não tenho tempo pra trocar de computador, já que seria impossível transferir programas e arquivos no meio da execução de um trabalho. Ainda bem o verão acabou.
E, finalmente, pessoas fazem falta. Tudo bem que tem quem prefira um trabalho mais ermitão – o Unabomber que o diga. Eu mesmo gosto de me fechar quando estou fazendo algo difícil. Mas pro seu trabalho render a longo prazo, pra você ter algum ponto de referência, um sanity check do que você anda fazendo, e até mesmo pra continuar tendo contato com o que há de novo na sua área, é imprescindível ter colegas com quem conversar. Principalmente numa área considerada criativa. E não estou falando nem de reuniões ou de algo assim; estou falando de virar pro lado e falar bobeira com alguém, mostrar um site, pedir uma dica, conversar sobre uma técnica.
A parte mais social – o almoço, a bebida pós-trabalho – também fazem uma falta tremenda. Pessoas gostam de falar. Pessoas precisam falar. Seja pra reclamar de algo sobre o trabalho, seja pra chorar as pitangas de algum problema pessoal e pedir conselhos, não importa. Botar pra fora – mesmo que sem esperar alguma solução mágica em troca – ajuda as pessoas a continuarem sãs de um jeito que muita gente não percebe.
Enfim, o contato ajuda. Não somos ilhas. Talvez seja isso que eu mais sinta falta quando digo que mal posso esperar pra voltar a trabalhar num escritório.
Isso, e a comida.
