Trabalhar em casa é foda

by Zeh on April 19, 2009

Eu trabalho em casa, sozinho, há quatro anos. Sou um freelancer remoto, apesar de trabalhar exclusivamente pra uma mesma empresa.

Quase sempre que converso com alguém que trabalha fixo, dentro de uma empresa, o pessoal diz que adoraria trabalhar em casa. Muita gente vê trabalhar em casa como um sonho.

A coisa não é bem assim, no entanto. Eu mesmo só comecei a trabalhar em casa porque precisava de um horário e uma agenda mais flexíveis, que me permitissem balancear trabalho e faculdade de um modo razoavelmente são. O melhor que posso dizer sobre a experiência é que a coisa pode funcionar, mas que não vejo a hora de voltar a trabalhar dentro de um escritório (coisa que deve acontecer em breve). Então, aqui vai um emaranhado de pensamentos aleatórios e desorganizados sobre o assunto.

Não há separação entre trabalho e descanso. Se seu local de trabalho é o mesmo que seu local de relaxamento, você está em permanente modo de trabalho (a menos que seja realmente preguiçoso, aí é o contrário). Pode parecer esquisito, mas sair de um lugar (escritório) e ir pra outro (sua casa, seu quarto, etc) faz com que você rapidamente mude uma chave em sua mente, saindo do modo trabalho e entrando no modo foda-se. Você chega em casa e esquece as tretas do trampo (mesmo que seja pra se preocupar com as tretas da casa). Se você tá trabalhando em casa, é o contrário; toda hora vejo meus post-its com pendências de trabalho no meu monitor, por exemplo. A mente nunca se desliga do trampo. Quando preciso relaxar, tenho de sair de casa.

Você precisa de muito auto-controle. Sabendo que não tem ninguém pra checar se você está efetivamente trabalhando (ou se está ao invés escrevendo no Twitter, conversando no MSN, lendo email, jogando algo, assistindo vídeo de gatos engraçadinhos, escrevendo posts idiotas num blog que ninguém vai ler, ou coisa assim), é muito fácil perder o foco e ir fazer algo completamente inútil, perdendo horas de trabalho. Sem um auto-controle absurdo, é batata você desviar a atenção e só perceber as horas que perdeu quando já está com tudo atrasado.

Você vai efetivamente trabalhar a todo momento. Trabalho freelance é foda. Neguinho quer a coisa pra amanhã, e não importa a hora em que você vai trabalhar. Isso quer dizer que você não pode dizer “opa, são 7 horas, vou pra casa porque tenho de dar comida pro gato/cortar a grama/colocar o lixo na rua/baixar LOST”. Não, você fica sob constante pressão pra terminar algo. Quando realizo trabalhos freelance, é comum ficar dias ou até semanas sem trabalhar, no período entre trabalhos, mas quando ele chega, é labuta dia após dia, sem parar. Amanhã é um feriado, e eu trabalho. Sexta retrasada foi feriado, e eu trabalhei. Ambos finais-de-semana idem.

O trabalho é mais difícil. Se ambos os lados – você, e a empresa que te contratou – forem extremamente organizados, o trabalho até pode render. Mas ele nunca vai render tanto quanto ele poderia se você estivesse dentro da agência. Existem diversos problemas de comunicação que podem ocorrer, e às vezes, alguma besteira no qual você perderia poucos segundos se estivesse todo mundo debaixo do mesmo teto – tipo ir perguntar pra um colega uma bobeira rápida sobre uma tarefa – acabam se tomando um tempo muito maior pra serem realizadas através de email ou instant messengers. É uma camada de burocracia técnica que, embora pequena, atrapalha bastante.

A rotina cansa muito mais rápido. Tudo é muito mais chato quando você faz algo sozinho. Você quer ir comer, vai sempre no mesmo lugar, comer a mesma comida, porque já perdeu a paciência. Não tem aquela desculpa de ir comer no lugar X, que é mais longe, e demora mais pra chegar, só pra fazer algo diferente. Quem gosta de ir comer num lugar super legal, mas fazê-lo sozinho, sem ter ninguém pra conversar? Acaba perdendo o sentido. E talvez seja uma coisa pessoal, mas realmente sinto falta de comer algo diferente todo dia.

Você perde a atenção muito facilmente. Se você mora, e trabalha, sozinho, e num lugar calmo, ótimo. Senão, é foda. Novamente, talvez isso seja algo pessoal, mas qualquer coisa não relacionada a trabalho me desconcentra de uma forma descomunal. Um telefone tocando quando alguém quer vender filtro de água Europa, ou a campainha tocando porque alguém quer pedir uma contribuição pra alguma causa nobre de origem incerta, são motivos suficientes pra arruinar minha mente por uma meia hora. E embora ninguém trabalhe dentro de bolhas num escritório, no local de trabalho desvios de atenção são geralmente tratados de forma muito mais objetiva e pragmática – ninguém vai te interromper pra te oferecer cartão de crédito do banco Santander ou combo NET e ficar insistindo quando você disser que não.

Você vira um ser da caverna. Quando você trabalha em casa, não é obrigado a sair, logo, acaba não saindo quase nunca. É comum eu passar dias seguidos sem botar o pé na rua, a ponto de começar a ter dores musculares de tanto que não me movimento. Trabalhar em casa é um tapete vermelho pro sedentarismo. Lógico, é legal não ter de gastar tempo com transporte público ou dirigindo até o trabalho – mas pessoalmente, mesmo isso acho algo um pouco negativo, já que acabo abrindo mão de meu período de leitura forçada – vulgo metrô e ônibus. Se no dia-a-dia é mais fácil você se forçar a se mexer – fazendo um caminho diferente pro trabalho, por exemplo, de modo que ando mais – quando você trabalha num escritório, quando você trabalha em casa é muito pior. Tenho épocas em que me exercito em casa, ando bastante, corro, ando de bicicleta, etc, mas no auge do trabalho exaustivo, é fácil esquecer esse tipo de coisa quando você já tá mentalmente exausto e não tem a obrigação de fazê-lo.

Se você tiver qualquer problema que te impede de trabalhar ou se comunicar, está num mato sem cachorro. Você só depende de você mesmo, e isso pode ser bom ou ruim. Quase sempre a segunda opção. Tenho inúmeros exemplos pra citar.

Uma: certa vez, estava terminando um trabalho, quando fritou a fonte do meu micro devido a um pico de energia que deu em casa. Fui correndo com o computador na assistência, trocar a fonte. Cheguei em casa, percebi que o micro ainda estava ruim, travando do nada. Testei a memória e vi que um dos chips estava queimado. Tive de retirar o chip e ficar trabalhando com metade da memória (1gb) até poder terminar o trabalho e comprar mais memória com calma. Gastei dinheiro e tempo.

Outra: estava terminando um trabalho que deveria ser entregue 2 horas após. Eis que começa uma chuva descomunal, cai a força no meu bairro inteiro, e ela não volta simplesmente porque a chuva foi tão forte que derrubou árvores e galhos nas ruas – incluindo nos fios elétricos. Nem falar com o pessoal do trampo eu conseguia, porque o bairro inteiro (inclusive 2 lanhouses) estavam sem energia. Eles tiveram de me ligar no telefone pra entender o que tava rolando. Tudo bem, eles aceitaram uma versão do trabalho que tinha mandado horas antes, mas é uma queima de filme. Fora o stress que passei, já que em determinado momento estava quase subindo pelas paredes sem saber o que fazer. Quando eles me ligaram, estava pra pegar o carro pra atravessar a cidade só pra achar uma lanhouse funcionando de onde eu pudesse mandar um email pra avisar o que tinha rolado. A luz só voltou horas depois, de madrugada.

Mais outra: estava eu trabalhando tarde da noite quando cai a energia durante 1 segundo. Nada demais. Religo tudo, e eis que minha conexão não funciona mais: o modem havia queimado. Saio eu como doido, à noite, procurando um lugar que venda modem ADSL compatível, porque senão não tenho como mandar meus trabalhos pro trampo no dia seguinte. Achei um na Kalunga. Gastei dinheiro e tempo.

E outra, mais recente: estava pra terminar um trabalho quando meu micro reseta. Ligo de novo, reseta de novo. Ligo de novo, nem liga mais. Era tarde da noite, decido ir dormir (contendo o desespero). No dia seguinte, o micro funciona umas horas, depois começa de novo a se recusar a ligar. Aí o desespero bate. Graças à minha capacidade descomunal de entender o que os diferentes beeps durante o boot de um computador querem dizer, tive um palpite de que a placa de vídeo é que tinha ido pro saco. Fui correndo numa loja de shopping mesmo, comprei a placa de vídeo compatível mais barata que tinha, religuei tudo e, graças aos céus, funcionou. Aí vou eu terminar mais um trabalho com uma placa que não era 1/4 da minha placa anterior. Gastei mais dinheiro e mais tempo. E muito stress. E ainda assim, tive de dar graças aos céus de não ser nada mais sério – não pelo custo, mas pelo tempo que gastaria pra trocar o micro inteiro.

Percebeu o padrão? Os problemas sempre acontecem quando você menos espera (no meu caso, sempre no pior momento do job), e quando acontecem, cabe somente a você saná-los, da forma mais rápida possível. Você fica muito dependente de seu hardware. Imagina a empresa pra qual eu trabalho perguntando a quantas anda o job urgente, e eu respondendo “então chefe, tá parado porque o micro foi pro saco”. Pra mim, soa como desculpa esfarrapada. E  isso já aconteceu diversas vezes com a Firstborn – eles devem achar que sou o cara mais azarado do mundo, ou o cara mais enganador do mundo. Até evito falar pra eles quando tem alguma treta.

Neste momento mesmo, meu computador está mais pra lá do que pra cá – há uns dias atrás um dissipador se rompeu da placa-mãe e pode provocar superaquecimento do computador – mas não tenho tempo pra trocar de computador, já que seria impossível transferir programas e arquivos no meio da execução de um trabalho. Ainda bem o verão acabou.

E, finalmente, pessoas fazem falta. Tudo bem que tem quem prefira um trabalho mais ermitão – o Unabomber que o diga. Eu mesmo gosto de me fechar quando estou fazendo algo difícil. Mas pro seu trabalho render a longo prazo, pra você ter algum ponto de referência, um sanity check do que você anda fazendo, e até mesmo pra continuar tendo contato com o que há de novo na sua área, é imprescindível ter colegas com quem conversar. Principalmente numa área considerada criativa. E não estou falando nem de reuniões ou de algo assim; estou falando de virar pro lado e falar bobeira com alguém, mostrar um site, pedir uma dica, conversar sobre uma técnica.

A parte mais social – o almoço, a bebida pós-trabalho – também fazem uma falta tremenda. Pessoas gostam de falar. Pessoas precisam falar. Seja pra reclamar de algo sobre o trabalho, seja pra chorar as pitangas de algum problema pessoal e pedir conselhos, não importa. Botar pra fora – mesmo que sem esperar alguma solução mágica em troca – ajuda as pessoas a continuarem sãs de um jeito que muita gente não percebe.

Enfim, o contato ajuda. Não somos ilhas. Talvez seja isso que eu mais sinta falta quando digo que mal posso esperar pra voltar a trabalhar num escritório.

Isso, e a comida.