Sobre pizzarias e seus atendimentos

by Zeh on June 3, 2009

O post anterior sobre o texto da pizza acabou sendo mais lido do que eu esperava. Bacana. No entanto, acho que tem uma parte que eu gostaria de deixar mais clara pra quem não entendeu.

No follow-up que o Luli postou sobre o texto, um leitor fez o seguinte comentário:

On 15.05.09 Raul said:
Concordo! Os clientes só deveriam existir para nos pagar mesmo…ta loko..parece que só querem fazer a gente trabalhar….

Obviamente é um comentário feito de forma sarcástica; o que ele realmente parecia querer dizer é que o texto era reclamação de gente que não queria trabalhar.

A todo mundo que leu o post anterior e não sacou, não concordou, e até mesmo a todo mundo que concordou, tem um detalhe que talvez tenha passado em branco: eu amo meu trabalho. Não estaria trabalhando há 15 anos na mesma área e com basicamente as mesmas tecnologias se não curtisse o que faço. Até porque quem trabalha nessa área sabe que trabalhar muito mais do que 8 horas por dia é muito comum. O cliente principal que inspirou o texto da pizza foi um cliente que me fez trabalhar todo dia até muito mais tarde, muitas madrugadas, e diversos finais-de-semana. Achar que o texto é coisa de preguiçoso é ridículo. Não tenho nada contra trabalhar; tenho, sim, contra trabalhar pra criar algo inútil (que sabíamos que seria descartado) num horário que vai muito além do originalmente planejado, por meses a fio.

Mas se você for parar pra analisar, o problema principal que o texto da pizza fala sobre nem é tanto o cliente, mas sobre a empresa (agência ou estúdio web). É uma coisa que o Luli falou bem no pequeno comentário em resposta:

On 21.05.09 Radfahrer said:
O Zeh tem razão, Raul e LéoFlôr. O desconhecimento de como funciona o processo de produção de um website, associado à gigantesca desinformação do mercado e a ganância (ou desespero) de alguns donos de agências e profissionais de atendimento é que é o grande culpado. O cliente só pede o que pede porque dizem para ele que ele pode pedir.

Só pra dar ênfase: O cliente só pede o que pede porque dizem para ele que ele pode pedir. Perceba que logo na introdução do texto eu deixei claro que aquela era uma empresa que tinha como uma de suas principais características abrir as pernas pro cliente. O problema não é o cliente não saber o que quer e mudar de idéia constantemente: é a agência aceitar isso como coisa comum.

Tudo isso eu estou escrevendo porque quero mostrar o outro lado. (drum rolls)

Depois de ter saído da empresa que me levou a criar essa lista maldita, eu estava extremamente descontente com minha área de trabalho. Fiquei achando que o normal era ficar trabalhando finais-de-semana e madrugadas fazendo trabalhos medíocres que, em 90% das vezes, não iam pro ar. Estava pensando seriamente em mudar de profissão.

A sorte – inesperada – é que imediatamente após sair de lá eu fui pra uma outro estúdio, a Grafikonstruct. E seis meses de GK foram suficientes pra mudar minha visão sobre o mercado de forma assustadora.

Pra falar de forma resumida, na GK eu trabalhava menos horas (fazia um horário humano), era mais feliz (porque fazia um trabalho que fazia sentido, e que ia pro ar, e que era mais desafiador), o estúdio cobrava menos, eu ganhava mais (ambos porque menos trabalho era desperdiçado), e os trabalhos eram mais eficientes pro cliente (porque eram criados pra solucionar um problema, não pra satisfazer o ego do cliente).

Ou seja, tudo ao contrário.

E qual era a diferença entre a GK e a empresa anterior? O relacionamento com o cliente. Na GK, o atendimento era real. Não sei nem se dá pra chamar de atendimento. Se o cliente pedia algo sem noção, a gente dizia que aquilo era algo sem noção. Se pedia algo que levaria muito tempo e teria um retorno mínimo, a gente dizia isso pra ele. Se ele se mostrava complicado e não sabia o que queria, mesmo após meses de diálogo, a empresa abria mão do cliente. Simples assim. Não quer dizer que tudo fosse mil maravilhas na GK, pois todo lugar tem seus problemas e suas encrencas, mas era um paraíso comparado à empresa anterior.

Foi a experiência na GK que me fez entender que o que conta não é tanto o cliente (ou seu tamanho, ou seu nome), e sim a postura que a própria agência ou estúdio adota. Se você está numa empresa que acha que trabalhar bem é se virar pra fazer o que o cliente acha que quer por mais esdrúxulo que o pedido seja, você vai acabar fazendo um trabalho horrível, constantemente tendo de se virar pra atender algum objetivo inatingível. E aí jogar tudo fora.

Já se você está numa empresa que adota uma postura de conhecimento do mercado, de indicar pro cliente o que é certo e o que errado, é o contrário. Você vai trabalhar não só em prol de algum objetivo claro, mas também um que faz sentido pro problema do cliente.

Essa experiência é o que me leva a dizer que “existem empresas e empresas”, coisa que faço sempre que falo sobre a área, seja em conversas com amigos, seja em apresentações. Não dá pra julgar como é a qualidade do ambiente de trabalho de uma empresa só pelo que ela produz ou pelos clientes que ela tem. O atendimento, ou a forma como a empresa se posiciona frente ao cliente, faz uma puta diferença. Tem empresa que quer fazer de conta que trabalha simplesmente atendendo aos caprichos do cliente e acaba produzindo um trabalho medíocre ao custo de muito suor. Mas tem empresa que vê o problema do cliente e quer solucioná-lo de verdade, mesmo que isso crie atrito com o cliente quando este é menos informado. E eu já sei em que tipo de empresa gosto de trabalhar.

Se o cliente te liga hoje pedindo 5 pizzas diferentes e diz que só vai pagar pela pizza que ele gostar mais, e você aceita, pode esperar que amanhã ele vai te ligar de novo, mas dessa vez pedindo 10 pizzas diferentes, e de novo só disposto a pagar por uma. E aí a culpa é do cliente e sua incerteza, ou de quem aceitou fazer as pizzas?

E pra emendar, um vídeo razoavelmente relacionado. Não tem muito a ver com minha experiência na tal empresa que levou ao texto da pizza, mas é algo também comum pra quem trabalha na área, pelo menos pro pessoal de planejamento e vendas.