Um artigo Trapalhão

by Zeh on April 26, 2012

Em 2004, questionado sobre a forma de gerenciamento aplicado à Apple, Steve Jobs fez um paralelo de seu método de gerenciamento com os Beatles.

Meu modelo de gerenciamento são os Beatles. A razão pelo qual eu digo isso é porque cada uma das pessoas-chave nos Beatles evitava que os outros fossem em direções de suas tendências negativas.

Eles meio que cuidavam um do outro. E quando eles se separaram, eles nunca realizaram nada tão bom. Era a química de um pequeno grupo de pessoas, e aquela química era maior que a soma das partes. E assim John evitava que Paul se comportasse como um adolescente e Paul cuidava para que John não flutuasse para o espaço, e isso era mágico. E George, no final, eu acho que trazia uma enorme quantidade de alma para o grupo. Eu não sei o que o Ringo fazia.

Steve Jobs só falou isso porque ele não viveu no Brasil. Se fosse esse o caso, ele diria que o modelo de gerenciamento ideal é baseado nos Trapalhões, grupo de quatro comediantes – Didi, Dedé, Mussum e Zacarias – que viveu sua época áurea durante os anos 80, com um programa de TV semanal e uma série de filmes no cinema.

No programa de TV, Didi (Renato Aragão) era visto como o líder do grupo, bem como protagonista da maioria das histórias apresentadas nos filmes da trupe. Inteligente, honesto, sensível, incompreendido, ele era o modelo que queríamos imitar.

Na vida real, Renato Aragão era, digamos assim, o mais esperto do time. Detinha a empresa que cuidada dos negócios do grupo, a Renato Aragão Produções, e negociava seus contratos com a emissora de TV de forma separada, de modo a receber uma maior fatia do bolo – fato que, quando descoberto pelos companheiros, levou à dissolução (temporária) do quarteto.

Apesar do destaque criativo dado ao personagem, a verdade é que Didi era só mais um do grupo. As raízes circenses do grupo, tão aproveitadas em seus filmes para cinema, por exemplo, eram fruto da experiência de Dedé (raramente um favorito da platéia, e quase sempre encontrado no papel de antagonista).

Zacarias, com seu humor caricato, era ótimo na interpretação de alguns dos personagens mais absurdos do programa.

E não surpreende que Mussum, com seu humor natural, seja facilmente considerado um dos trapalhões preferidos do público (paradoxalmente, curioso que boa parte do humor criado pelo comediante seja considerado politicamente incorreto hoje em dia).

O quarteto não vivia só de humor. Eles sabiam brincar com a reação das pessoas das formas mais diferentes. Eu me lembro da primeira vez que chorei assistindo a um filme – e foi com um filme dos trapalhões. A cena em questão:

Com a surpreendente qualidade do humor que o programa desfrutou durante anos e o sucesso que seus filmes fizeram, é triste que o grupo tenha se dissolvido após brigas internas motivadas pela suposta ganância de Renato Aragão. Ainda mais triste é ver que, mesmo depois de anos, a maior parte do acervo televisivo criado pelo grupo ainda está indisponível para público – brigas entre os herdeiros do quarteto atravancam o lançamento de seu repertório em DVD ou outras mídias. Um dia tentei comprar um pôster do grupo online e só achei versões ilegais baseadas em imagens de baixa qualidade.

Mas apesar disso, pelo menos através de vídeos ilegalmente postados no YouTube, ficam as lições de vida dadas pelo grupo. Se eu um dia tiver que gerenciar alguma coisa, será com diversas lições aprendidas com os Trapalhões. Inclusive tomando cuidado para que nenhum Renato Aragão comece a se sentir mais importante que o próprio grupo.

O programa dos Trapalhões era transmitido pela Rede Globo nas noites de domingo. Era, pra mim, o destaque do final-de-semana. Ele era seguido pelo Fantástico, noticiário semanal da rede. Ouvir a música do começo do programa era sempre um momento triste para mim: significava que aquela edição do programa dos Trapalhões havia terminado, e, com ele, o final-de-semana.

O Fantástico tinha o “O Show da Vida” como seu slogan. A verdade é que o programa era só uma síntese de notícias da semana em formato de revista visual. O verdadeiro show da vida eram os Trapalhões, e só percebi isso mais de uma década depois. Essa é a verdadeiro genialidade do grupo.