Do amor abstrato ao pão-de-queijo

by Zeh on June 27, 2014

Viver em outra cidade, outro estado, ou outro país, é uma experiência que alimenta a alma e faz você aprender mais não só sobre o mundo mas sobre você mesmo. Por mais pequenas que sejam as diferenças, os costumes e valores de diferentes culturas nos força a questionar nossas suposições, enxergar nossas presunções, e, eu diria, compreender as coisas de forma mais ampla.

Antes de me mudar para Nova York, eu vivi a maior parte de minha vida em São Paulo. E, apesar de ter morado alguns anos em outra cidade (que detestava), e chegado a trabalhar algumas semanas no Rio de Janeiro, não é exagero dizer que eu só conhecia a vida cotidiana mesmo em São Paulo.

São Paulo é uma cidade que adoro, apesar de seus problemas conhecidos (trânsito, transporte, etc). E, talvez por ser uma cidade tão grande e considerada (de certo modo) tão rica, sempre achei que nunca precisaria conhecer nenhum outro lugar. Sempre considerei pessoas de fora de São Paulo, de certo modo, desafortunadas por não terem nascido e crescido numa cidade tão complexa e dinâmica como São Paulo (com caos e tudo o mais).

Eu hoje entendo o quanto essa visão do cotidiano é estreita. Ao mesmo tempo, imagino que isso faz parte da cultura Brasileira. Comparado a muitos outros países, não temos o costume de viajar, ou mesmo de nos mudar, digamos, de estado. Acontece, lógico, mas em muito menos frequência do que eu vejo em outros lugares do mundo. No Brasil, é comum você nascer, viver, e morrer na mesma cidade onde nasceu, ou no mesmo estado, talvez com a exceção de uma força magnética puxando gente pra certos pólos financeiros (como Rio ou São Paulo). O contrário é raro.

A primeira vez que viajei de avião foi quando eu estava com uns 22 anos, a trabalho. Sempre vi viagens de avião como algo extravagante e caro; algo que só ricos, famosos e homens de negócio poderiam se permitir.

Nos Estados Unidos em geral, a história é outra. Viagens de avião são algo extremamente comum, até mesmo necessário. Da mesma forma, se mudar para outra cidade ou estado é algo completamente natural. Pólos existem: Los Angeles, Nova York, e San Francisco são exemplos. No entanto, esses centros são muitos, quase incontáveis; não existe nada como um “eixo Rio-São Paulo”. E, ao contrário do Brasil, crescer e viver na cidade onde você nasceu é visto como algo estranho, e quase uma amostra de fracasso.

Não tenho uma experiência tão grande com outros países, obviamente, mas o mesmo parece ser verdade de lugares como o Canadá ou a Europa (nesse último, também devido a um eficiente sistema de transporte ferroviário).

Obviamente, o Brasil não é tão rico quanto muitos outros países, e isso influencia esse comportamento. Imagino também que isso está mudando aos poucos. Mas essa não é a questão. Para mim, o interessante é que só quando me mudei pra cá percebi que o resto do mundo era diferente. Quando estava no Brasil, eu simplesmente assumi que viajar ou se mudar para longe era uma coisa rara, que poucas pessoas faziam.

Muitos dos valores que assumimos como normal são também completamente alienígenas para alguém de fora. Às vezes, me pego explicando coisas completamente normais do Brasil que acabam por deixar meus amigos locais (Norte-Americanos ou não) boquiabertos.

Mudar de cultura – seja ela da sua cidade, do seu estado, do seu país – faz você questionar os valores no qual acreditou toda sua vida, e muitas vezes, entender algo de forma nova e aceitar o novo modelo. Coisas simples como o destino do papel higiênico se tornam emblemáticos das revoluções que sua mente deve processar.

Minha primeira experiência nesse sentido foi quando, em 2001, viajei para a Austrália por 10 dias (meio a trabalho, meio a prazer). Foi minha primeira experiência com uma cultura realmente diferente. Foi também um choque; voltei me sentindo um bárbaro. Precisou uma cultura como a dos Australianos (absurdamente bem-educada, comparado com qualquer outro lugar do mundo que conheci) para me fazer entender alguns pontos negativos de nossa cultura. Foi uma lição foi quase imediata, considerando que na volta para o Brasil tive de lidar com um dos típicos problemas cotidianos Brasileiros: gente furando fila no Aeroporto. Algo assim seria impensável na Austrália.

Essa primeira viagem abriu minha mente e, de certa forma, me preparou para a mudança para Nova York. Eu sabia que teria de esperar – e aceitar – muitas coisas novas, e que eu teria de revisar muitos dos meus conceitos.

Nova York é uma cidade fenomenal. Mas não é São Paulo e não é o Brasil. De certo modo, também não é Los Angeles, Seattle, Texas, e às vezes nem é Estados Unidos. Se alguém tentar chegar aqui e emular as experiências e a cultura de sua terra natal, vai se decepcionar, já que tudo vai ser diferente de formas pequenas, mas com grande impacto (curiosamente, essa diferença é a principal razão que leva muitas pessoas a detestarem, ou amarem, Nova York).

Muitas vezes, o que vemos em imigrantes é um amor à pátria de origem que se transforma num escudo contra a cultura que o cerca. É comum ver comunidades de certos países reunidos num mesmo local, não só por questões práticas mas às vezes pessoais. Costumo ir num supermercado “Brasileiro” no Queens sempre que quero comprar pão-de-queijo, e o lugar é um extrato do Brasil: no mesmo quarteirão, tem um restaurante por quilo, uma agência de viagens Brasileira (coisa bastante incomum aqui), e outros lugares reservados aos Brasileiros. Não surpreende que aquela parte do bairro seja uma mini-capital Brasileira em Nova York.

Existem todo tipo de razões para essa concentração acontecer, nenhuma delas condenável. No entanto, eu acredito que se mudar de cidade, estado ou país e tentar emular sua cultura de origem ao seu redor anula boa parte da razão para a mudança: a vivência se torna mais um exercício de evitar o desconhecido, do que entender, aceitar e passar a fazer parte do novo.

Eu gosto de ir nesse supermercado, mas não como só comida Brasileira. Tive a sorte de descobrir muitas outras coisas (comestíveis ou não) que eu não tinha nenhuma idéia de que eu adorava. Se você for gastar seu tempo procurando exclusivamente por um pão-de-queijo, nunca vai poder se deliciar com um taco ou burrito local, ou comida tailandesa (extremamente comum aqui).

Tenho colecionado inúmeros casos de mudanças de opinião que antes considerava inimagináveis. Por exemplo, na minha opinião, o melhor restaurante para carnívoros por aqui é Argentino. Às vezes nossa rivalidade faz com que ignoremos os fatos, e hoje quando falo do restaurante para amigos faço piada de que pra um Brasileiro admitir que ele gosta de um restaurante Argentino, é porque o restaurante é realmente bom. Outros restaurantes Latino-Americanos não ficam muito atrás. Os Brasileiros, em contra-partida, são no geral caros e não são lá essas coisas, usando o exótico como sua principal atração mais do que a qualidade em si. Na mesma linha, a gente gosta de falar de picanha e fazer piada de que Americano não entende de churrasco, mas a qualidade das carnes que posso comprar a 2 quarteirões de casa é absurdamente melhor do que qualquer coisa que já comi em São Paulo com preços equivalentes. Desisti rapidamente da picanha que comprava no mercado Brasileiro; aprendi a comer minhas palavras e rever minhas opiniões.

Mas ainda compro o pão-de-queijo sempre que posso.

Me sinto com sorte por poder me deliciar com comidas que nunca nem imaginei que experimentaria, quanto mais que viraria fã (novamente, pra mim, comida mexicana é o grande exemplo: como quase todo dia). Ainda posso gostar de salgar minha carne muito mais do que o padrão normal da cidade, mas não recuso as carnes locais. Não sou rico, não sou famoso, não sou celebridade, mas tampouco estou falando do cotidiano de alguém desse naipe, mas sim das pequenas delícias que fazem parte do cotidiano de quem as aceita.

Da mesma forma, um Americano (ou Inglês, ou Suíço, ou Jamaicano, ou etc), em viagem pro Brasil, deve se surpreender com coisas que consideramos normais; coisas que não são óbvias para nós, e que não aparecem em propagandas de turismo (afinal, o Brasil não é só futebol, Samba, e bundas). Nessa linha, hoje considero a resiliência do Brasileiro um de seus maiores dotes; uma de minhas teorias atuais é que daí se originam outros dos atributos positivos da cultura Brasileira. Mas acho que isso é assunto pra um artigo futuro.