Nuances de linguagens

by Zeh on January 29, 2014

A linguagem que usamos no dia-a-dia tem mais nuances do que percebemos. Às vezes, alguns desses nuances passam despercebidos para nós, com resultados interessantes.

Num artigo postado há quase 4 anos atrás, eu escrevi:

E olhando mais pro presente, tem uma expressão em inglês que acho fantástica e que acho que não tem tradução pra português. É “take for granted“. A tradução literal mais próxima seria algo como “aceito sem questionamentos”. Na prática, a expressão significa que você considera algo como óbvio, assumido, certo – que você tem certeza de que terá algo disponível quando você precisar, então o impacto da sua presença não é mais sentido.

O quanto a linguagem que usamos molda nosso modo de pensar? Imagino que o sentimento de take for granted existe independente da sua língua pátria, mas a inexistência de uma expressão equivalente em certas línguas faz com que o sentimento seja raramente discutido (vide a dificuldade que eu tive para descrevê-lo), passando em branco pelo caráter de algumas culturas. Talvez por moldar a discussão, a presença de certas expressões ou palavras acabe por moldar o comportamento.

O conceito não é novo; para citar o exemplo mais popular, no livro 1984, George Orwell propõe um governo totalitário que visava controlar o pensamento da população por mudancas progressivas na linguagem (chamada de Novilíngua ou Newspeak), fazendo com que modos de pensar discordantes dos princípios do estado fosse impossível.

A realidade do mundo moderno não é tão radical, mas ainda há quem acredite na força da linguagem como moldura do caráter.

Quando eu estava aprendendo Inglês, minha professora estava falando sobre as diferenças da linguagem em comparação ao Português. Lembro da emoção com que ela nos contou a história de um Americano que, querendo falar que sentia falta do Brasil, disse “Tenho saudades do Brasil” – com ênfase na palavra “saudade”. O ponto principal da história, para ela, era de que “saudade” não tinha tradução pro Inglês – logo, fazia o Português (ou o Brasil) um lugar mais especial, como se não se pudesse sentir saudade de outros lugares, ou se fosse impossível sentir saudades até se aprender a expressão em Português.

Levou alguns anos pra eu entender que aquilo era balela. No fundo, não é porque algumas culturas têm palavra específica pra um sentimento que ele deixa de existir em outras culturas. Além do mais, a língua Inglesa tem uma tradução perfeitamente cabível para a expressão, apesar de ser um verbo ao invés de substantivo: “I miss”.

Ainda assim, imagino que a ausência de determinadas expressões é um bom indicador do caráter de cada cultura, talvez por moldar o discurso mais do que o pensamento (até porque, quando o sentimento é comum, cria-se uma expressão adequada para tal).

O que você take for granted?