A velha questão do curso superior

by Zeh on April 29, 2009

Ainda no assunto Edted, durante a realização da mesa-redonda final alguém fez uma pergunta (via Twitter acho) querendo saber se eu achava que faculdade era uma coisa importante na formação de uma pessoa.

Na ocasião eu acabei respondendo com um breve “sim”, em parte porque não queria tomar muito o tempo da mesa, e em parte porque é uma discussão tão grande que não caberia direito no breve tempo de discussão que a gente tinha disponível de qualquer forma.

Aparentemente essa foi a resposta certa, porque o pessoal que estava assistindo até curtiu: os outros palestrantes deram risada, e teve um início de palmas na audiência. Mas, pra ser sincero, acho que a brevidade da resposta fez com que ela soasse meio seca (pra não dizer cretina); então, pra complementá-la, e até porque esse é um assunto muito pessoal, aqui vai um pouco do que acho sobre o tema. Eu até já tinha falado um pouco disso nos comentários deste artigo escrito pelo Bruno Ribeiro, mas escrevo aqui de forma mais extensa. Aviso: verborragia master, como sempre.

Eu sempre fui um cara meio contra faculdade e cursos em geral. Pra explicar: eu comecei a trabalhar efetivamente com desenvolvimento de sistemas (e suas interfaces) em 1994, quanto eu tinha 16 anos, e desde então nunca parei de trabalhar. Sempre aprendi fazendo e indo atrás, isso numa época pré-Google e até pré-Internet. Comecei a programar aos 10 anos, e talvez por isso sempre fui muito defensor de um esquema autodidata de aprendizado.

Depois que terminei o segundo grau, resolvi, por diversos motivos, dar um tempo nos estudos. Eu até cheguei a fazer faculdade em 97 e 98 (Propaganda e Marketing), mas acabei abandonando por falta de grana pra continuar e tempo pra estudar – tive de escolher entre trabalhar e ter dinheiro pra sobreviver, ou viver de vento e estudar sabe-se lá como.

Nesse período em que fiquei exclusivamente trabalhando, tive algumas experiências que me levaram a detestar ainda mais essa idéia de levar certificações ou diplomas ao pé da letra. Duas eu posso citar em especial.

A primeira é que eu trabalhava num lugar onde tinha uma pessoa que possuía um grande certificado de um software bastante usado na época (Aldus/Adobe Page Maker), e deixava o certificado pendurado logo acima do computador. Isso basicamente atestava que a pessoa sabia o que estava fazendo e era um profissional de destaque na área. Essa pessoa ganhava um pouco mais do que o dobro do que eu ganhava. O detalhe é que quando tinha algum problema muito cabuloso para resolver no Page Maker, essa pessoa me chamava, já que eu era o faz-tudo do lugar na época – e incluía-se aí mexer com o Page Maker, coisa que nem era minha especialização.

Nada contra essa pessoa, que era super gente boa. Mas a experiência me deixou com uma opinião amarga sobre certificações.

A segunda é mais contundente. Na primeira agência de Internet em que comecei a trabalhar, era costume criar propostas de projetos para clientes em potencial, e apresentações que acompanhavam essas propostas. Aquelas típicas apresentações cretinas e pomposas que falavam sobre a agência. Enfim, um dia estávamos desenvolvendo umas três propostas pra serem apresentadas pra um grande cliente. A secretária estava montando um slideshow com informações sobre as propostas – uma das quais eu que estava desenvolvendo – e tivemos um papo mais ou menos assim:

Secretária: Então, Zeh, estou montando a apresentação pro <Grande cliente X>, e estou colocando as fichas da agência. No que você é formado?

Zeh: Não sou formado.

Secretária: (Boquiaberta) Não é formado?! Não fez faculdade?

Zeh: Não.

Secretária: Mas você não fez nenhum curso?

Zeh: Só me formei no segundo grau, em Processamento de Dados.

Secretária: Ahn… tudo bem.

Aí ela foi e fez a apresentação… sem meu nome. Não importa que o conceito, design, e programação da proposta eram meus: se eu não tinha nenhuma graduação interessante pra citar, eu não importava, valia mais a pena colocar o bio de um dos sócios da agência. Não era culpa da secretária, diga-se de passagem, já que ela também era gente fina; era uma coisa normal da agência.

Essa mesma agência era aquela típica empresa anos 90, que considerava melhor alguém que tivesse um curso de graduação, fosse ele qual fosse. Você podia ser graduado em veterinária, que pronto, era automaticamente um melhor designer. Eles até queriam meu conhecimento, já que profissionais de Internet não eram tão comuns na época. Mas eu era meio que um patinho feio.

E na real, nem sei se apresentação toda foi pro cliente mesmo. Essa idéia de propostas era um mundinho de faz-de-conta às vezes.

Por conta dessas e de outras, criei uma certa mágoa de todo essa idéia de formação. O fato de que conheci ótimos profissionais sem formação alguma, bem como péssimos profissionais formados – típico do começo da Internet no Brasil, acho – não ajudou a imagem do mundo acadêmico.

Não quer dizer que eu detestasse cursos. Cheguei a fazer 3 anos de Panamericana exatamente porque achei que tava perdendo um pouco do contato com o mundo do design, e porque queria respirar um pouco mais da coisa. Não que seja uma super escola, e obviamente não tem nada a ver com formação acadêmica, mas é um curso, e aprendi algumas coisas lá sim.

Mas minha opinião geral sobre faculdades e formação só começou a mudar lá pros idos de 2000, quando visitei o Senac pela primeira vez, por convite/dica da Lu Terceiro. Foi num evento com palestras de diversos monstros do (então) webdesign mundial, em especial a Designers Republic (!). Fiquei impressionado com duas coisas: primeiro, a iniciativa de uma faculdade de trazer designers desse porte pra um evento local; e segundo, a grade do curso de Design Gráfico que existia até então no Senac, distribuída como parte do material promocional do evento. Três semestres de tipografia? Eu não sabia que existia nenhum curso desse tipo em São Paulo – eu precisava fazer aquela faculdade.

Só havia um problema: o curso do Senac era à tarde. Eu escrevi um email pro então coordenador do curso perguntando sobre a possibilidade de cursos à noite no futuro, e ele foi bastante otimista, dizendo que existia a idéia e que isso deveria rolar no futuro.

Nessa época, eu estava terminando a Panamericana (na verdade, num hiato de 2 anos sem estudar que tive entre o segundo e o terceiro ano do curso). Decidi terminar a Panamericana e aguardar novidades do Senac.

Foi o que eu fiz. Após terminar a Panamericana, Fiquei juntando grana por 2 anos, e então, em 2004, veio a novidade de que o curso de Design do Senac iria se desmembrar, e novas especializações seriam criadas: Design Industrial, e Design de Interfaces. Apesar de meu desejo ser mais de focar no design gráfico – que continuaria existindo à tarde – decidi que o Design de Interfaces se encaixaria bem nos meus planos e decidi tentar.

Todo mundo da área que eu conhecia achou a decisão meio doida. Todo mundo apoiou, mas ainda assim achou esquisito, porque naquela área, com já uma década de experiência, eu “não precisaria” desse tipo de formação. E por um lado eles estavam certos, era uma coisa meio doideira, e eu ia gastar uma bela grana e um bom tempo com isso. Mas ainda assim, era uma coisa que me deixava feliz, porque eu finalmente tinha a grana (e, de certo modo, o tempo) pra fazer a faculdade, então era uma boa oportunidade pra me livrar de algo que tinha virado meio que uma pedra imaginária no sapato cerebral pra mim. Como quando eu finalmente terminei Double Dragon (só uns 10 anos depois de ter jogado pela primeira vez, com raiva, usando um emulador e save states).

Ainda assim, nunca fui fazer faculdade de modo muito otimista. Eu queria três coisas, basicamente: 1. Um papel chamado “diploma”, pra poder usar pra todos os fins cabíveis, ainda que cretinos; 2. Saber mais sobre o mundo acadêmico, a fim de poder falar mal com algum ganho de causa; e 3. Aprender um pouquinho, quem sabe, talvez, sobre design.

Enfim, em 2005, com 26 anos, comecei o curso de Bacharel em Design de Interfaces no Senac São Paulo. Me formei em dezembro de 2008, com 31 anos.

Pra resumir a história – até porque já escrevi coisa pra caralho sobre isso aqui (em inglês) – minhas expectativas ao fazer a faculdade foram superadas. Talvez eu fosse cínico demais – não gosto de confiar em pessoas, empresas ou serviços – mas entrei lá sem esperar muita coisa e saí com mais do que pensava. Fazer um curso onde te forçam a pensar de modo diferente, e a ter contato com tecnologias, mídias, plataformas e problemas que você não encontraria no dia-a-dia do trabalho real é extremamente gratificante. Não que o Senac seja a faculdade perfeita – ele com certeza tem seus defeitos, e eu era da primeira turma do curso – mas eu acredito que fez bem o que se prestou a fazer.

Mesmo ter o contato com as pessoas – meus colegas eram, em média, 10 anos mais novos do que eu – foi algo que me fez aprender muito. Não é à toa que faço questão de ter links pra blogs de todos meus colegas que os têm aí do lado da página. Pra mim foi um ótimo período; extremamente difícil – já que tive de abrir mão de diversas coisas – mas ainda assim, muito recompensador.

O engraçado é que eu provavelmente consegui aproveitar o curso muito mais exatamente por ser mais velho. Tenho certeza de que ter um repertório adicional me fez captar algumas aulas de uma forma muito melhor e absorver muito mais do curso do que a maioria dos outros alunos. Não que eu tenha alguma diferença intelectual – pelo contrário, eu acredito que a grande maioria dos meus colegas está num nível muito superior do que o que eu tinha quando tinha a idade deles (voz de velho caquético) – mas porque minha experiência que fez com que o discurso dos professores tivesse uma digestão muito mais fácil.

Ou seja, quem estiver pensando em começar faculdade mais tarde, eu recomendo. Vale a pena.

Tenho certeza de que saí da faculdade uma pessoa melhor, e um profissional melhor. Não que minha opinião tenha sido completamente mudada – ainda acredito que é possível, sim, ser um profissional de destaque sem um curso superior. Acredito, sim, que muita gente com um curso superior continua sendo um zero à esquerda simplesmente porque não aproveitou o período acadêmico do jeito que poderia. Sou, sim, contra a tal “regulamentação” e exigência de diploma nas empresas desta área; acho uma puta coisa retrógrada. Mas agora também acredito que, pra quem realmente quer, faculdade pode ser um grande salto pessoal, intelectual e profissional.

Faculdade vale a pena.

E minha colação de grau é semana que vem.